terça-feira, 17 de abril de 2012

A tomada de decisão

Se você não mora dentro de uma caverna ou assiste esporadicamente aos jornais, já deve saber da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao aborto de anencéfalos. E que rufem os tambores: Depois de um julgamento de dois dias, à decisão foi favorável, legitimando a liberação do aborto em caso de anencefalia*. Como um humilde estudante de Direito do Primeiro período, darei minha opinião.

Mulheres comemoram a decisão do STF
Obviamente a questão não é simples, ao contrário, envolve questões éticas e versa sobre um assunto extremamente evitado ou simplesmente esquecido por muitos. Por isso, não se pode simplesmente dar uma opinião sem um embasamento jurídico ou um mínimo de argumentos lógicos que componham uma linha de pensamento.

A questão do aborto em si, não se põe em pauta. Como dito a cima, a decisão se tratava da liberação para abortar quando o feto apresenta anencefalia. Mas, antes de mostrar minha opinião, relembremos um pouco o passado do Brasil; para quem não sabe, em 1988 foi promulgada a nossa carta magna, ou em termos mais difundidos, a nossa constituição, e depois de anos sem eleições diretas e de um pais marcado pelo ditadura, temos um verdadeiro avanço. A constituição cidadã (apelidada assim não à toa), dá inúmeros direitos além de proteger o 'indivíduo' e a 'sociedade'. Garantindo direitos esquecidos ou não abordados até então, como o dos idosos, dos índios e do meio ambiente.

Entretanto, o Artigo 128 é claro. O médico só não é punido por praticar aborto em casos que não há outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez é resultante de um estupro. Ou seja, sim, abortar é crime. E como tal, não é facilitado pelo Estado, que, via de regra, pune este ato. E de fato, matar uma criança ainda não formada, por simples capricho ou irresponsabilidade realmente me parece um tanto quanto errado e egoísta.

Mas o caso abordado pelo STF, é diferente. Quando ocorre uma gestação de anencéfalo, não só a mãe mas toda a família sofre. Mesmo antes de dar a luz, a futura "mamãe" já sabe que o seu filho não resistirá mais do que 53 minutos (segundo médicos especialistas). E fazer uma mulher passar por esse sofrimento, é algo absurdo.

A constituição, como foi dito, criminaliza sim o aborto, entretanto, a mesma constituição, no seu artigo 5º, inciso III, fala: Ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante. E pensem, obrigar uma mulher a levar uma gravidez de um feto que não sobreviverá, até o fim, não é desumano? Vários psicólogos e especialistas além de mulheres que já passaram por essa situação, afirmam que as sequelas psicológicas são imensas. 

Ora, como pode o Estado obrigar um cidadão a passar por tratamento desumano, que o levará posteriormente a necessidade de um tratamento psicológico? é algo controverso. Os movimentos religiosos, mais uma vez atrapalharam o andamento do processo, buscando respostas ilógicas ou baseadas em preceitos bíblicos que impedissem a liberação do aborto no caso em questão. E daí surge novamente o meu repúdio por esse amor exacerbado a uma religião ou à um Deus que mais provoca sofrimento do que "bençãos". 


Não há (por mais que líderes religiosos, pastores ou padres queiram justificar) nenhum argumento religioso válido. O Estado é laico e não pode deixar se levar por esse tipo de justificativa. Além do mais, querendo ou não às pessoas devem entender que sem cérebro (juridicamente), não há vida, e mesmo contrariando as leis da física, para estar vivo, respirar não basta. O Estado não protege bebês anencéfalos. Nem teria como,  pois os mesmos não sobrevivem fora do útero materno.

Outra realidade esquecida pelos que insistem na criminalização do aborto por anencefalia, é que, o aborto é algo real e é praticado todos os dias. Independente de ser ou não uma conduta delituosa, essa prática é disseminada e não temos como impedi-la. Então, por que não darmos dignidade a essas mulheres? Muitas, devido a abortos clandestinos ou as péssimas condições do local, acabam morrendo no processo abortivo.  

E não, não é só isso. A justiça no Brasil, como sabemos, anda à passos de tartaruga e muitas mulheres que entraram na justiça para ter o direito de abortar o feto anencéfalo, não chegaram nem a ser julgadas devido a demora do andamento do processo. Fazendo mais uma vez, mulheres que desejam constituir uma família, sofrer com a perda - inevitável - de um filho, que se antes concedido seus direitos, diminuiria consideravelmente seu sofrimento.

A liberação do aborto de fetos anencéfalos, não é e não pode ser confundida com a legalização do aborto, ou pior ainda, com a obrigação dessa prática. Pessoas ficaram empolvorosas com a notícia da decisão favorável, como se a mesma fosse obrigar as mulheres a abortarem seus filhos. Não. A decisão simplesmente descriminaliza  a prática. Ela dá o direito de escolha as gestantes que passarem por esse tipo de situação. Se uma uma grávida quiser levar sua gestação até o fim (o que de certo modo é louvável), poderá tranquilamente fazê-lo. O que não pode mais acontecer é que mulheres que não dispõe dessa mesma coragem, sejam obrigadas a passar por essa situação.

Finalmente, deixo claro que essa é minha opinião, e como tal, não é única e muito menos a mais correta. O importante é se informar e ter argumentos antes de falar, e não se basear no que seu vizinho ou colega disse e sair dando opiniões. A decisão foi de 8 a 2, mostrando que a maioria dos ministros tiveram coerência na hora de pesar a questão, meus sinceros parabéns aos mesmos. E por fim, não esqueçam, leiam crianças, leiam.

*A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação do cérebro e do córtex do bebê, havendo apenas um "resíduo" do tronco encefálico. De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), a doença provoca a morte de 65% dos bebês ainda dentro do útero materno e, nos casos de nascimento, sobrevida de algumas horas ou, no máximo, dias.

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